Exames Genéticos - Ferramenta para o diagnóstico
Doenças genéticas são causadas por alterações no nosso material genético, que podem ser detectadas tanto a nível de DNA (alterações gênicas) quanto a nível cromossômico. Alterações no número ou estrutura dos cromossomos ou na quantidade de DNA podem levar a um risco aumentado de malformações congênitas, atraso do desenvolvimento, distúrbios de comportamento e deficiência intelectual.
Detectar qual é a anormalidade genética responsável por uma patologia é importante para melhor entender sua etiologia e planejar seu tratamento. São vários os exames genéticos disponíveis, com diferentes indicações e níveis de complexidade:
Cariótipo: é o estudo dos 46 cromossomos presentes no núcleo das nossas células. Envolve a cultura das células por 72 horas e posterior coloração dos cromossomos para a correta identificação de cada um deles. Por meio desse exame é possível detectar anormalidades tanto no número de cromossomos quanto na sua estrutura. Doenças causadas por uma alteração no número de cromossomos incluem: síndrome de Down, síndrome de Turner, síndrome de Klinefelter, trissomia do cromossomo 18 (antigamente conhecida como síndrome de Edwards) e trissomia do cromossomo 13 (antigamente conhecida com síndrome de Patau), entre outras. Além das alterações numéricas, existem também alterações estruturais dos cromossomos que podem levar a uma condição clínica no paciente. Essas alterações incluem: deleções, duplicações, inversões, translocações (balanceadas ou não-balanceadas), inserções, cromossomos em anel e isocromossomos, que devem ser correlacionadas ao quadro clínico do paciente para se chegar a uma correta conclusão diagnóstica.
Análise cromossômica por microarray: este tipo de análise, usando diferentes técnicas (CGH-array e/ou SNP-array), é capaz de detectar perdas e ganhos de material genético muito pequenos para serem vistos ao cariótipo. Essas alterações comumente recebem o nome de microdeleções ou microduplicações, e são responsáveis por inúmeros quadros de malformações congênitas múltiplas, deficiência intelectual, síndromes epilépticas, transtorno do espectro autista, entre outros. O desenvolvimento desta técnica possibilitou a descoberta do diagnóstico etiológico de muitas condições que antes não se sabia a causa. A técnica de SNP-array permite também a detecção de perda de heterozigose (que é a presença de uma cópia de cada genitor no nosso material genético), que pode, em alguns casos, explicar a patologia do paciente.
MLPA: o MLPA (do inglês Multiplex ligation-dependent probe amplification) é um exame capaz de evidenciar alterações no número de cópias de genes. Isso significa que, por meio de técnicas de biologia molecular, ele detecta perda e ganho de material cromossômico e pode ser usado no diagnóstico de várias doenças cuja patogenia esteja relacionada à presença de deleções e/ou duplicações de genes específicos. A vantagem, em relação à análise cromossômica por microarray, é a especificidade, além do menor preço. O MLPA utiliza sondas para regiões específicas do genoma humano, e, por isso, deve ser utilizado quando há a suspeita de uma síndrome de microdeleção (ex.: síndrome de Williams, síndrome de deleção 22q11.2, etc), microduplicação (ex.: síndrome de Charcot-Marie-Tooth tipo 1A, síndrome de Potocki-Lupski, Leucodistrofia do adulto de herança autossômica dominante, etc) ou, ainda variações em número de cópia em genes associados a câncer (ex.: BRCA1, BRCA2, etc). Outra vantagem do MLPA é que ele é capaz de detectar alterações no processo de metilação do DNA (também chamado de alterações de imprinting), que pode estar envolvido na etiologia de algumas doenças, como nas síndromes de Angelman, Prader-Willi, Silver-Russel, Beckwith-Wiedemann, entre outras. Essa é uma grande vantagem pois o mesmo exame pode detectar os diferentes mecanismos que levam às condições mencionadas.
FISH: assim como o MLPA, a técnica de FISH (do inglês Fluorescent in situ hybridization) permite a detecção de sequências específicas de DNA no cromossomo, mas utilizando uma técnica de citogenética molecular. É uma técnica mais trabalhosa e que necessita mais equipamento e tempo para se chegar a um resultado e, por isso, está sendo substituída cada vez mais pelo MLPA na prática clínica. Entretanto, há algumas situações em que o FISH é vantajoso: quando é necessária a análise de um grande número de metáfases para se pesquisar um mosaicismo cromossômico (no cariótipo convencional a análise máxima costuma ser de 100 metáfases, mas com o FISH é possível analisar até 500 metáfases com facilidade); e na pesquisa de translocações cromossômicas balanceadas envolvendo segmentos muito pequenos para serem vistos no cariótipo convencional.
O exames discutidos até aqui avaliam alterações de perda e ganho de segmentos cromossômicos. Mas existem doenças cuja causa é a alteração de um gene específico que, por variações na sequência de seus nucleotídeos, leva a produção de uma proteína defeituosa. São as chamadas doenças gênicas, que podem ser avaliadas pelos métodos descritos a seguir.
Sequenciamento gênico: esse método é utilizado para se detectar a sequência de nucleotídeos (componentes do DNA) do código genético de um indivíduo. Enquanto o cariótipo e a análise cromossômica por microarray avaliam perdas e ganhos, ou grandes rearranjos, no material genético, o sequenciamento avalia variantes que podem interferir no correto funcionamento do gene. O método de sequenciamento original, chamado sequenciamento de Sanger, foi uma grande descoberta na década de 70, e possibilitou a identificação da sequência de inúmeros genes. Ainda hoje essa técnica é utilizada, mas, por ser demorada e dispendiosa, ela foi melhorada, e hoje o método de escolha para a maioria dos sequenciamentos gênicos é o Sequenciamento de Nova Geração (NGS, do inglês Next Generation Sequencing). O NGS permite a avaliação de vários genes ao mesmo tempo, diminuindo tanto o custo quanto o tempo para se obter um resultado.
A tecnologia de NGS pode ser usada para avaliação de um conjunto de genes responsáveis por um doença ou um grupo de doenças com quadro clínico semelhante, por meio dos chamados painéis genéticos, também conhecidos como painéis gênicos ou painéis de NGS. Da mesma forma, esta tecnologia pode ser utilizada para sequenciar todas as regiões de DNA codificante (ou seja, que tem a capacidade de codificar proteínas) de um indivíduo, e este exame é conhecido como análise de Exoma, ou, simplesmente, Exoma.
Painéis genéticos: os painéis genéticos, ou gênicos, estão cada dia mais se tornando uma opção para otimizar a investigação diagnóstica. Eles são úteis para se investigar uma doença em que mais de um gene está implicado (ex.: síndrome de Noonan); doenças cujos quadros clínicos se sobrepõe (ex.: cardiomiopatias); grupo de doenças com uma característica comum mas com quadros clínicos diversos (ex.: síndromes epilépticas, erros inatos do metabolismo); e doenças associadas a genes ligados por uma via comum (ex.: RASopatias).
Vamos dar um exemplo: um(a) pediatra atende um lactente nascido pequeno para a idade gestacional e que apresenta membros curtos, macrocefalia relativa e alterações radiográficas muito sugestivas de acondroplasia. O gene FGFR3 é o único gene associado à acondroplasia, por isso se justifica o pedido de análise somente desse gene (a chamada análise ou pesquisa de gene único). Em contrapartida, se o paciente apresenta baixa estatura desproporcionada, com alterações radiográficas, cujo quadro clínico e de imagem não permitem determinar o tipo exato de displasia óssea, o mais indicado seria solicitar um “painel para displasias ósseas”, com a análise simultânea de vários genes. Isso levaria a uma economia de tempo e dinheiro, além de um aumento na probabilidade de se chegar a um diagnóstico correto.
Exoma: a análise do Exoma consiste no sequenciamento de todos os éxons (e, em alguns casos, também de alguns íntrons) de todos os genes que já tenham sido identificados como responsáveis por doenças. Ele é útil quando: (1) a doença tem uma enorme heterogeneidade clínica (ex.: deficiência intelectual, autismo); (2) o quadro clínico do paciente é inespecífico e não sugestivo de uma síndrome específica (ex.: baixa estatura associada a dificuldade de aprendizado e dismorfias; desordem neurológica inespecífica); (3) o paciente apresenta duas ou mais alterações aparentemente não relacionadas (ex.: albinismo e neutropenia). Estudos indicam que o Exoma é capaz de definir o diagnóstico em 25 a 50% dos casos.
É de extrema importância ressaltar que a correta análise tanto de painéis gênicos quanto do Exoma, assim como do CGH/SNP-array, depende de uma descrição detalhada do quadro clínico do paciente, incluindo sintomas, exame físico e resultados de outros exames complementares (exames de imagem, provas funcionais, dosagens hormonais, etc). Isso porque o material genético de cada pessoa apresenta, naturalmente, milhares de variantes, que precisam ser comparadas ao quadro clínico para se estabelecer uma relação de causa e efeito. Outro ponto a ressaltar é que a Genética é uma área do conhecimento em franca expansão, onde novas associações de genes a condições clínicas são continuamente relatadas. Por isso, no caso de um resultado de Exoma que não mostra variantes relacionadas ao quadro clínico do paciente, é possível solicitar a reanálise dos dados do Exoma após intervalo de um a dois anos.